segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Aniversário


Agradeço a todos os meus amigos por se terem lembrado deste dia especial para mim, apesar de sentir um pouco meu este poema de Alvaro de Campos, a idade vai levanto coisas para sempre.

Aniversário


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


(Álvaro de Campos)

9 comentários:

CampoMaiorense disse...

Então parabéns ao Sr. Zé Camões,
que cumpra outros tantos(?).
Quando eu era menino....
não vale a pena continuar que já nem me lembro....
Abraço.

Três horas da manhã disse...

Muitos Parabéns meu caro!

Já não comento por aqui faz um tempo...que melhor altura para o voltar a fazer?!?! Impossível!

Abraço.

Kique disse...

Parabéns caro amigo
Feliz Aniversário.

Aryeh

Zé Camões disse...

Obrigado a todos os amigos que me felicitaram e a ti Anónimo/a.

Tem graça, pensamos que “amores que matam nunca morrem”…É mentira.
Escreves mesmo muito bem, é indiferente seres O ou A,
Tens jeitinho para a “coisa”…

Lembro-me de banhos…de dois corpos, água fria antes de fechar a torneira,
O juízo era coisa que por vezes faltava…mas quem melhor que nós para ajuizar,
Tenho na recordação, ainda hoje, uma gata que andou lá por casa…
Era fugaz aquele tempo, as mãos perdiam-se por lugares indiscretos, e os pensamentos em pequeníssimos momentos atingiam o Nirvana…alto estado espiritual…
Os elementos – o Fogo que produzíamos, a Água que refrescava os corpos no final de tarde, o Ar que tu deixavas quando te ias, a Terra onde a bandeira se erguia e assinalava o teu ser como sendo meu…Todos estes fazem sentido…
Madeira e Ferro…Madeira e Ferro…Madeira e Ferro…Amar-te…Amar-te…
Arte…Arte…
Não sou eu com certeza o teu Camões…
:)

Anónimo disse...

Diz-me...

Que espelho é esse, diz-me que espelho é esse?

... que não te revela , a minha dor... o meu sofrimento... o meu cansaço de espera.

... Aceito sim, aceito esse final... desde que me reste alguma coisa tua !!!

Parra disse...

Zé.
Q anos tão amargurados .
Que musa é essa que te traz tanta desventura ?
B.

Zé Camões disse...

Nenhuma musa deixa mais sofrimento que aquela que nunca existiu...

Oh Dulcineia...mulher fantasia que tão louco deixa-te o homem da Mancha, não terás em mim cavaleiro, a andança não irá para a frente sem que descubras o rosto.
Tanta imaginação, tantos dados incorrectos, tantos anos que passaram e tu sempre no teu silencio...
Só o fumo tropical em momentos de relaxo me faz lembrar um rosto que não conheço,
Podes achar que é má fé, um penhasco sem queda onde os mal aventurados se deixam precipitar, a vida num fio, a navalha romba e ferrugenta que cortou com o passado,
Não me chames Diabo por virar as costas...
Não me chames diabo por não querer brincar mais...
Mas se preferires mesmo assim chamar-me diabo...
Pois que seja este Diabo que a carregue...

o lavagante disse...

oh caramba parabéns atrasados!!!! mas tenho desculpa, não sabia!

Anónimo disse...

Que bom sentir saudades de um passado, principalmente de infancia, é sinal que se foi feliz.
Mas nunca esqueças que cada etapa da vida tem os seus encantos e deixam sempre saudades.
Espero ver-te brilhar orgulhoso, se por fim encontrares a tua missão e desafiares os ventos a gritar:
"Aqui estou!... Este sou eu e sou feliz.
E ai eu como amiga serei ainda mais feliz.