terça-feira, 2 de março de 2010

Num dia melancólico


A cortina de ferro separou as duas metades, colocou um ponto final no final do fim mais que anunciado da história que afinal nunca tinha começado.
Já era tarde, Coimbra jamais voltaria a ser capital, os peões aturdidos pelo buliço da cidade retiravam-se todos para o tabuleiro, as cores garridas de borboletas a voarem tinham-se desbotado por entre o liquido néctar de um copo de vinho.
Não havia mais música para embalar os foragidos, sozinhos corriam cada um para o canto oposto, a campainha tinha tocado e era hora de concluir o recreio, o adeus prolongava-se no ar...mais tarde veio o eco, e com ele, o silêncio.
Vamos acordar, hoje é dia de trabalho, a caneta Parker já não bordava mais narrativa, Borrou as poucas letras tremidas que em dia de coragem tinham cimentado no desalento a esperança de um final feliz.
Restam as velhas sinfonias que junto com as novas se encontram numa musicbox e nos levam ao limite, provando o fim da linha, o pó deixado com o passar das semanas torna-se o Máximo para recordar esses tempos de estrela Punk-Rock que fugiram no Expresso das 3 da tarde.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

My only Friend


Por detrás da secretária Barrow não podia deixar de reparar na tatuagem de Parker, o seu ombro descoberto suportava um desejo de enormes fantasias. O dia tinha chegado ao fim, a luz escura do seu escritório na Babel, apelava à carne.
Parker sabia bem que acabaria por ceder à libido do seu companheiro, toda ela estava desfeita na vontade de cair nas malhas resvaladiças de um sofá que ali se encontrava. Após o fogo dar lugar ao fumo e assim até chegar a cinza, ficou tudo mais frio, Parker havia desaparecido da mesma forma como apareceu.
As ruas voltaram novamente a ser maiores, os carros, em rodopio dirigiam-se endiabrados para um rumo sem destino, naquele porto marítimo onde o mar havia desaparecido, os navios apinhavam-se sem saber para onde haviam de zarpar. Tudo estava lá, o telefone que já não tocava, o sinal de mensagem que de tão farto de esperar acabou por morrer de solidão.
(…)
Ao fundo da rua, um carro deixava escapar na sua passagem o seguinte refrão,”Eles não nos irão forçar mais, eles irão parar de nos degradar, eles não nos irão controlar”… cada um de nós sairá por sua vez vitorioso.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

O dia do teu aniversário



Esperei o tempo suficiente para ter a certeza de que tinha de parar.
Hoje acabei por não jantar, sozinho, olhei o prato vazio e com um dificil gesto de rejeição apartei tudo de mim menos a enorme dor de cabeça que sofria. Serviu-me de conforto a almofada silenciosa e branda, tornou-se naquele momento a minha companhia ideal.
(...)
Que faças mais aniversários, todos eles recheados de felicidade e amigos, poderás incluir-me sempre nestes ultimos, assim como eu te incluirei em cada caixa de música que encontrar por ai.




segunda-feira, 16 de novembro de 2009

No céu...


(...) Para Barrow tudo era fascinante no corpo de Parker, o bronze e o perfume misturados, pareciam descarregados por uma garrafa de bom vinho, vermelho carnal e cheio de taninos aveludados por aquela luz escura de desejo.
A música que não tocava, soava bem alta na cabeça de cada amante, a Lua, protectora dos aventureiros, repousava já há algumas horas enquanto as almas se fodiam como se ao chegar a tarde o mundo fosse congelar (...)
- Quem és? Pergunta Barrow com receio e inquieto com a resposta
Levantou-se o mais longo silêncio. Nesse resto de manhã os dois já não falaram, o ligeiro fumo de dois cigarros apoderava-se do tecto daquela habitação como se uma nuvem negra e carregadinha de receio fosse cair (...)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Parker and Barrow


“ (…) Enquanto Parker dançava ao som de músicas de outro tempo, entre reflexos ofuscados de algum álcool que alimentava o corpo em movimento, Barrow contemplava-a por detrás do seu olhar verde de gato, ele era um jovem que se encontrava pela “Grande Babel” a gozar alguns dias de férias.
Naquela noite, entre copos e conversas Parker preferiu o casaco de cabedal ao blaser e numa conversa algo “etílica”, deixou que Barrow ficasse com o seu número de telemóvel.
Dias mais tarde, o café agendado foi realizado e na esplanada do Hotel Ritz lá se encontrar os dois, entre sorriso e cigarros, lá foram deixando a conversa surgir, Barrow tinha um sotaque do interior, difícil de entender mas para Parker impossível de resistir.
(…) Junto ao rio que cortava a paisagem em duas metades desniveladas, o Sol marcava no céu as onze horas, desesperado, ele olhava-a como quem espera algo mais de um amanhecer em qualquer ponto exótico (…)”

Rafael Dela Guetto in "América"

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Memórias Grotescas


“Lá vai o capitão da Nau com a barriga cheia, cuspindo os restos para o chão, na cabeça nada lhe vale para ocupar tal posição, o corpo enjeitado mais parece ter saído de um filme de terror os seus gestos broncos, no fundo do mar faziam mais falta que na terra dos humanos. (…)
Blasfema e ofende sem saber bem porquê nem a quem, mas ousados aqueles que se atravessem no meio da sua fúria.
No mar as ondas parecem crespar ainda mais esta grotesca personagem, nos nossos tempos apelidávamo-lo de Filho da Puta, talvez naqueles tempos também essa alcunha já lhe fosse atribuída pelos “ratos do porão”.
Oh pobre diabo! Qual o teu feito para teres ocupado tão elevada posição se a ventura nunca te benzeu, provavelmente nasceste bastardo e no vão da escada de uma tasca escura e suja, enquanto bêbados cantavam, a tua mãe metia no mundo a coisa mais bizarra (…). A farda reluzente fica ofuscada pelo sujo da tua alma, as mãos pesadas e lentas terão tocado mil punhetas para chegares ao cimo (…) perdeste entre outras coisas a memória da primeira vez que comeste com talheres, já não te recordas de seres um cão abandonado a bramir de porta em porta.”

Rafael Dela Guetto in "América"